terça-feira, fevereiro 20, 2007

Texto meu

É a primeira vez que publico um texto escrito por mim neste blog.
Maior que tudo

Hoje sofro de uma tristeza infinita, aguda, perversa, ácida. Não posso dizer do amanhã, o fato é que hoje estou infeliz, desgraçadamente infeliz em tudo. Ando em círculos, chafurdando o chão com sapatos novos, querendo despistar as lágrimas com pedregulhos. Tenho os dedos esfolados de tanta luta. Tudo me dói cem vezes, a consciência ainda mais, bigorna a esmigalhar ilusões. Na galeria deserta desse dia, o desalento é óleo sobre tela; a promessa de um dia feliz é uma aquarela que a chuva desbotou ao levar pelo ralo abaixo; e o silêncio, amplificado pelas batidas lentas do meu coração, só faz realçar a umidade fria que escorre dentro, bem fundo, num lugar que pouca gente sabe.

Lá fora, na rua, é certo que a vida segue. Não quero saber, que hoje me morro dos pés à cabeça, porque viver, de repente, é quase impossível. Pesa, incomoda, faz latejar a têmpora, desconfortável e inútil quanto uma roupa sem bolsos para enfiar as mãos. Hoje só eu é que sei das minhas dores – quantas, o quanto fundas e por quais mãos foram plantadas. E dane-se tudo o mais, até eu mesma e a raiva que sinto de ser mulher – como se uma constatação simplória e genérica dessas servisse de explicação a tudo – e da minha insistente capacidade em acreditar que algumas coisas podiam ser diferentes.

Os pássaros que ontem voavam pelo quarto com suas plumas coloridas, querendo atravessar o mundo, perderam o viço e voltaram a ser o que sempre foram - e eu fingia não perceber: pedaços de papel sem utilidade, acumulando meses de pó em cima dos móveis. Talvez esteja na hora de juntar estas e outras quinquilharias – folhas secas do último outono, palavras bonitas embrulhadas em papel de seda, balões vermelhos em forma de coração, um punhado de conchas trazidas da praia – e jogar no lixo, lugar perfeito para objetos (e sentimentos) que nunca serão bons o suficiente.

Por enquanto não faz diferença que o amanhã me traga flores e pássaros à janela ou um vento louco venha anunciar novidades. Hoje minha tristeza é maior que tudo e a dor que sinto é de corpo e alma. Hoje é como se nada mais existisse – e quase consigo fingir que não existo pra sobreviver. Hoje o que tenho é o céu cinzento de um dia morto e dois olhos secos que se ardem, desconsolados, um para o outro. Hoje nenhum abraço conforta, nenhuma palavra alivia, nenhuma presença ressuscita. Hoje queria adormecer meu cansaço e acordar bem mais tarde, em uma outra vida, desapegada de qualquer memória dessa.

Hoje choro por dentro, de uma ferida tamanha que não tem remédio. Sozinha, à margem de mim, encasulada, contemplo o vazio com os olhos pregados no chão. O céu – e tanta outra coisa mais -, por enquanto, está além da minha capacidade de compreensão.

Eliane H. Cauduro



5 Comments:

Blogger KImdaMagna said...

Toda primeira vez como "princípio" merece ser cumprimentada e saudada.
Se nunca houvessem as primeiras vezes, estaríamos perdidos.
Gostei e parabens

terça-feira, 20 fevereiro, 2007  
Blogger margarida said...

Graças ao deuses (não sei ao certo quais)!!!!!
Eu adoro a maneira como escreves e acho que é egoísmo da tua parte não partilhares connoco o prazer de te lermos. :-)
Abraço-te, minha amiga!

sexta-feira, 23 fevereiro, 2007  
Blogger jorge esteves said...

As palavras são sofridas, molhadas de dor e vergadas ao acre da cor que não há.
Mas soltá-las pode ser o prenúncio da madrugada!...
Volto aqui para ler mais. E vou, com certeza, encontrar uma manhã em cada palavra!
Abraços!

terça-feira, 27 fevereiro, 2007  
Blogger António said...

Minha querida!
Um primeiro texto bem escrito mas que talvez dê uma imagem do teu estado de espírito (no dia 20 de Fevereiro) um tanto exagerada.
Senão melhor seria ires ao hospital!
eh eh

Obrigado por teres lido o meu blog.

Beijinhos

quinta-feira, 01 março, 2007  
Blogger António Mateus said...

Que alma linda a sua!!! Quanta sensibilidade, quanta feminilidade, quanta verdade generosamente exposta aos demais... É bom, verdadeiramnte bom, lê-la e apreender o que em si mora, da beleza da alma humana, pelo que se depreende das palavras que escolheu, para exprimir um seu determinado estado de espírito...
Gostei muito.

sábado, 10 março, 2007  

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