domingo, agosto 05, 2007

Três poemas de Miguel Torga



Santo e Senha


Deixem passar quem vai na sua estrada.

Deixem passar

Quem vai cheio de noite e de luar.

Deixem passar e não lhe digam nada

Deixem, que vai apenas

Beber água de sonho a qualquer fonte;

Ou colher açucenas

A um jardim que ele lá sabe, ali defronte.

Vem da terra de todos, onde mora

E onde volta depois de amanhecer.

Deixem-no pois passar, agora

Que vai cheio de noite e solidão

Que vai ser uma estrela no chão.



* * *


Miragem


Passa o navio ao largo dos meus olhos.

(Os meus olhos, agora, são azuis,

Imensos e navegáveis…)

Passa moroso, como um desejo

Insatisfeito.

Passa, e morre desfeito

Em bruma de ilusão

Na curva do horizonte cruciante

Que cerca a solidão

De quem sonha, tolhido, um cais distante…


* * *



Lírica


No meu jardim aberto ao sol da vida,

Faltavas tu, humana flor da infância

Que não tive....

E o que revive

Agora

À volta da candura

Do teu rosto!

O recuado Agosto

Em que nasci

Parece o recomeço

Doutro destino:

Este, de ser menino

Ao pé de ti. . .