Três poemas de Miguel Torga
Santo e Senha
Deixem passar quem vai na sua estrada.
Deixem passar
Quem vai cheio de noite e de luar.
Deixem passar e não lhe digam nada
Deixem, que vai apenas
Beber água de sonho a qualquer fonte;
Ou colher açucenas
A um jardim que ele lá sabe, ali defronte.
Vem da terra de todos, onde mora
E onde volta depois de amanhecer.
Deixem-no pois passar, agora
Que vai cheio de noite e solidão
Que vai ser uma estrela no chão.
* * *
Miragem
Passa o navio ao largo dos meus olhos.
(Os meus olhos, agora, são azuis,
Imensos e navegáveis…)
Passa moroso, como um desejo
Insatisfeito.
Passa, e morre desfeito
Em bruma de ilusão
Na curva do horizonte cruciante
Que cerca a solidão
De quem sonha, tolhido, um cais distante…
* * *
Lírica
No meu jardim aberto ao sol da vida,
Faltavas tu, humana flor da infância
Que não tive....
E o que revive
Agora
À volta da candura
Do teu rosto!
O recuado Agosto
Em que nasci
Parece o recomeço
Doutro destino:
Este, de ser menino
Ao pé de ti. . .