Texto meu
Maior que tudo
Hoje sofro de uma tristeza infinita, aguda, perversa, ácida. Não posso dizer do amanhã, o fato é que hoje estou infeliz, desgraçadamente infeliz em tudo. Ando em círculos, chafurdando o chão com sapatos novos, querendo despistar as lágrimas com pedregulhos. Tenho os dedos esfolados de tanta luta. Tudo me dói cem vezes, a consciência ainda mais, bigorna a esmigalhar ilusões. Na galeria deserta desse dia, o desalento é óleo sobre tela; a promessa de um dia feliz é uma aquarela que a chuva desbotou ao levar pelo ralo abaixo; e o silêncio, amplificado pelas batidas lentas do meu coração, só faz realçar a umidade fria que escorre dentro, bem fundo, num lugar que pouca gente sabe.
Lá fora, na rua, é certo que a vida segue. Não quero saber, que hoje me morro dos pés à cabeça, porque viver, de repente, é quase impossível. Pesa, incomoda, faz latejar a têmpora, desconfortável e inútil quanto uma roupa sem bolsos para enfiar as mãos. Hoje só eu é que sei das minhas dores – quantas, o quanto fundas e por quais mãos foram plantadas. E dane-se tudo o mais, até eu mesma e a raiva que sinto de ser mulher – como se uma constatação simplória e genérica dessas servisse de explicação a tudo – e da minha insistente capacidade em acreditar que algumas coisas podiam ser diferentes.
Os pássaros que ontem voavam pelo quarto com suas plumas coloridas, querendo atravessar o mundo, perderam o viço e voltaram a ser o que sempre foram - e eu fingia não perceber: pedaços de papel sem utilidade, acumulando meses de pó em cima dos móveis. Talvez esteja na hora de juntar estas e outras quinquilharias – folhas secas do último outono, palavras bonitas embrulhadas em papel de seda, balões vermelhos em forma de coração, um punhado de conchas trazidas da praia – e jogar no lixo, lugar perfeito para objetos (e sentimentos) que nunca serão bons o suficiente.
Por enquanto não faz diferença que o amanhã me traga flores e pássaros à janela ou um vento louco venha anunciar novidades. Hoje minha tristeza é maior que tudo e a dor que sinto é de corpo e alma. Hoje é como se nada mais existisse – e quase consigo fingir que não existo pra sobreviver. Hoje o que tenho é o céu cinzento de um dia morto e dois olhos secos que se ardem, desconsolados, um para o outro. Hoje nenhum abraço conforta, nenhuma palavra alivia, nenhuma presença ressuscita. Hoje queria adormecer meu cansaço e acordar bem mais tarde, em uma outra vida, desapegada de qualquer memória dessa.
Hoje choro por dentro, de uma ferida tamanha que não tem remédio. Sozinha, à margem de mim, encasulada, contemplo o vazio com os olhos pregados no chão. O céu – e tanta outra coisa mais -, por enquanto, está além da minha capacidade de compreensão.
Eliane H. Cauduro
Hoje sofro de uma tristeza infinita, aguda, perversa, ácida. Não posso dizer do amanhã, o fato é que hoje estou infeliz, desgraçadamente infeliz em tudo. Ando em círculos, chafurdando o chão com sapatos novos, querendo despistar as lágrimas com pedregulhos. Tenho os dedos esfolados de tanta luta. Tudo me dói cem vezes, a consciência ainda mais, bigorna a esmigalhar ilusões. Na galeria deserta desse dia, o desalento é óleo sobre tela; a promessa de um dia feliz é uma aquarela que a chuva desbotou ao levar pelo ralo abaixo; e o silêncio, amplificado pelas batidas lentas do meu coração, só faz realçar a umidade fria que escorre dentro, bem fundo, num lugar que pouca gente sabe.
Lá fora, na rua, é certo que a vida segue. Não quero saber, que hoje me morro dos pés à cabeça, porque viver, de repente, é quase impossível. Pesa, incomoda, faz latejar a têmpora, desconfortável e inútil quanto uma roupa sem bolsos para enfiar as mãos. Hoje só eu é que sei das minhas dores – quantas, o quanto fundas e por quais mãos foram plantadas. E dane-se tudo o mais, até eu mesma e a raiva que sinto de ser mulher – como se uma constatação simplória e genérica dessas servisse de explicação a tudo – e da minha insistente capacidade em acreditar que algumas coisas podiam ser diferentes.
Os pássaros que ontem voavam pelo quarto com suas plumas coloridas, querendo atravessar o mundo, perderam o viço e voltaram a ser o que sempre foram - e eu fingia não perceber: pedaços de papel sem utilidade, acumulando meses de pó em cima dos móveis. Talvez esteja na hora de juntar estas e outras quinquilharias – folhas secas do último outono, palavras bonitas embrulhadas em papel de seda, balões vermelhos em forma de coração, um punhado de conchas trazidas da praia – e jogar no lixo, lugar perfeito para objetos (e sentimentos) que nunca serão bons o suficiente.
Por enquanto não faz diferença que o amanhã me traga flores e pássaros à janela ou um vento louco venha anunciar novidades. Hoje minha tristeza é maior que tudo e a dor que sinto é de corpo e alma. Hoje é como se nada mais existisse – e quase consigo fingir que não existo pra sobreviver. Hoje o que tenho é o céu cinzento de um dia morto e dois olhos secos que se ardem, desconsolados, um para o outro. Hoje nenhum abraço conforta, nenhuma palavra alivia, nenhuma presença ressuscita. Hoje queria adormecer meu cansaço e acordar bem mais tarde, em uma outra vida, desapegada de qualquer memória dessa.
Hoje choro por dentro, de uma ferida tamanha que não tem remédio. Sozinha, à margem de mim, encasulada, contemplo o vazio com os olhos pregados no chão. O céu – e tanta outra coisa mais -, por enquanto, está além da minha capacidade de compreensão.
Eliane H. Cauduro